COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
POLÍTICOS PATRIMONIALISTAS
Nobres:
Ao assumir ‘o barco desgovernado do Brasil’ com o compromisso de
alavancar as transformações necessárias, Michel Temer, ‘no presente indiciado
em escândalos’ sinalizou, na posse, sua disposição para enfrentar o edifício do
atraso e promover alguma investida contra aquilo que pensadores liberais vêm
confrontando há décadas: nossa estrutura patrimonialista. Tamanha disposição
tem encontrado duas importantes dificuldades. A primeira é a conexão de figuras
ligadas ao governo com os escândalos denunciados pela Operação Lava Jato,
problema que pesa sobre o próprio nome do presidente e alimenta a turbulência
política. A segunda, o fato de que a força que assumiu as rédeas da missão é
ela própria, das mais representativas dos ranços que se dizem propensas a
combater. Ambas se resumem a uma só: a falta de afinidade entre a bandeira
levantada e o grupo que a desfralda, o PMDB, que nada tem a ver com ela, nem do
ponto de vista histórico, nem do ponto de vista dos seus agentes
contemporâneos. Não há afinidade entre a bandeira levantada, a das
privatizações, e o grupo que a desfralda, o PMDB. É nesse contexto que se
insere, após a proposta de “desestatização” da Eletrobrás, o pacote de 57
privatizações defendido pelo governo federal, englobando a Casa da Moeda,
rodovias, terminais portuários, linhas de transmissão e aeroportos. Apesar de
Temer adotar uma retórica de viés liberal, asseverando que o objetivo é “criar
empregos, gerar renda e oferecer um serviço de melhor qualidade”, o que não
deixa de ser uma verdade prática, efeito natural e desejável do enxugamento da
máquina do Estado brasileiro, é mais do que claro que não é uma profunda
convicção que o move a tomar essa atitude. Fosse esse o móvel, e não teria sido
peça integrante do sistema estruturado em torno do projeto de poder do PT por
tanto tempo; o que move Temer, como sempre costumou mover as transformações no
país, tais como as efetivadas pelo Plano Real durante o ciclo tucano, é o frio
peso imediato dos números, isto é, o imenso problema orçamentário com que
precisa lidar. Tampouco algum compromisso de princípios privatistas move os
aliados, do próprio partido ou de todos os outros com que precisa negociar. O
desafio é que a firmeza e a capacidade de articulação desse governo que, frise-se,
é o que temos para hoje consigam triunfar, mais do que sobre a histeria
convencional de sindicatos e esquerdistas de passeata, sobre os interesses dos
líderes partidários em seus autênticos feudos nos ativos a serem privatizados.
O PTB de Roberto Jefferson, por exemplo, que vinha defendendo a redução do
Estado, inclusive em suas propagandas televisivas, manifesta-se em queixumes
diante da proposta de Temer, alegando que vejam a novidade! há “setores
estratégicos” que não podem ser privatizados. Resta saber para quem são
estratégicos, já que os petebistas comandam a Casa da Moeda desde os tempos de
Lula e Dilma. O que é “estratégico” é a manutenção de apadrinhados, cargos e
ingerência política! O pacote, a bem da verdade, é grande apenas na aparência,
mas pouco substancial, se comparado ao montante nas mãos do Estado empresário.
Condenados a celebrar o medíocre, reconhecemos que é melhor do que nada,
especialmente se for um bom começo. Resta torcer para que a pequenez de nossos
homens públicos e a falta de uma visão ampla a respaldá-lo, não o fracasse
desta premissa.
Antônio Scarcela Jorge.
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