COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
A RETÓRICA ESQUERDISTA
Nobres:
Como é de costume a política do
país como é de sua maneira tirou das sombras velhos fantasmas do retrocesso,
mas também evidenciou o grande colapso por que passa a chamada “anarquia
esquerdista”, incapaz de se aglutinar num discurso coerente e de oferecer vicissitudes
para tirar o Brasil da crise. E Lula, “pai” dos pobres e dos banqueiros,
personifica esse grande dilema dos segmentos autodeclarados mais arejados.
Embora a polarização política parecesse diluído num mundo tão dinâmico e
marcado pela polifonia de vozes, a histórica briga entre “direita” e “esquerda”
voltou com tudo a partir da queda de Dilma Rousseff e da ascensão de Michel
Temer, sobretudo nas redes sociais. Os dois lados ganham com essa divisão
porque sabotam alternativas que tentem se firmar no “centro”. Mesmo condenado
pela Justiça, Lula é que sai lucrando, acostumado a vender nos palanques a
velha luta do engodo baseado na sua mentira e adorada pela imbecilidade do
povão. O que acontece, no entanto, é que o ex-metalúrgico “não é, e nem nunca
foi, um São Francisco de Assis”, segundo a visão de ex-companheiros hoje
sitiados em legendas menores. Foi-se o tempo em que o petista era unanimidade.
No grande eleitorado, as desilusões com o PT e com o lamaçal de corrupção dos
governos de Lula e Dilma também afastaram parte da esquerda, que abandonou o
barco do personalismo messiânico em torno do ex-presidente e passou a
simpatizar com o antes odiado PSDB ou com Rede, PSOL e assemelhados. Com isso,
crescem lideranças do campo oposto interessadas em ocupar esse vazio deixado
pelo ideário de esquerda. Menos por ideologia e mais por encarnarem um
personagem ‘ANTE–PT’, há presidenciáveis surfando na radicalização para nadar
de braçada em 2018. A rejeição a um discurso sabe-se, significa transferência
de votos em potencial. Ex-PT, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) critica a
esquerda e diz que o país vive uma “derrocada” com Temer, mas reconhece que as
“forças progressistas” não apresentam um projeto de país e estão sendo
“duramente atingidas pelos erros do PT” com Lula e Dilma. “Já é de algum tempo
a dificuldade de unificar o campo democrático popular, por falta de um projeto
de desenvolvimento, de uma posição que represente essas forças na disputa de
poder e no exercício desse poder. Não se fez autocrítica nenhuma em relação a
isso”. Para Erundina, um dos erros da esquerda foi não formar novas lideranças.
Os escombros de ética da era petista, avalia, cobram esse grupo a reconquistar
o protagonismo perdido: “Temos essa responsabilidade junto ao povo brasileiro,
que não é um partido. Precisamos rever práticas, construir saídas aos graves
problemas estruturais do país”. O problema é que as diversas correntes
esquerdistas não falam a mesma língua. Líder histórico do PCdoB, Aldo Rebello
saiu do partido indignado com a defesa engajada a Lula e à ditadura
venezuelana. E, mesmo que tenha se alinhado a muitas práticas que condenava na
“direita”, o PT não saiu unificado da eleição de Gleisi Hoffmann no comando
nacional. Aliás, perdido nos grandes centros, o PT busca nas massas populares
do Nordeste, onde Lula reina o cajado para abrir o mar dos votos. A receita é
um discurso sectário e direcionado a uma platéia já catequizada. Só que essas
contradições acabam gerando dividendos para adversários, porque são incapazes
de frear presidenciáveis na linha de um Jair Bolsonaro ou mesmo de um João
Doria. No Congresso, a fissura da esquerda é ainda mais evidente. O PSB se
posiciona dentro do que chama de esquerda democrática. Já PCdoB e o PSOL se
unem constrangidos ao PT, mas só por causa de Temer. E as brigas internas são
grandes. Parlamentar em ascensão na Câmara, Alessandro Molon migrou para a Rede
depois de conflitos com a controversa cúpula do PT do Rio de Janeiro. Para a
Rede, que carece de infraestrutura e enfrenta sumiços e reticências de Marina
Silva, também migrou Randolfe Rodrigues, o senador que fez frente a José Sarney
e hoje calibra o discurso em zonas menos extremas. Como se vê, essa
fragmentação virou combustível na mão de outros presidenciáveis, e discursos
mais palatáveis ainda estão fora do script. As disputas regionais não
transpiram conceitos ideológicos, mas a cena nacional já traduz um preocupante
cipoal de interrogações. Vocês pensam fazer o povo brasileiro de otário.
Antônio Scarcela Jorge.
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