COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
DESPEDIDA DO PODER
Nobres:
Existem várias formas se despedir
do poder. Pelas portas do fundo do palácio do planalto como João Figueiredo, com
imensa frustração política, como De Gaulle. Com suprema indiferença social,
como Helmut Kohl. Mas, brandindo um estatuto da metamorfose, como Lula fez, é a
primeira vez. Desde que foi denunciado, processado e condenado, Lula ocupou-se
em transmudar sua atitude. Primeiro, ele mostrou plástica surpresa. Depois, com
o prosseguimento do processo, ele passou a negar. Não viu, não sabia, não
contratou, não comprou, não vendeu. Na prisão, assumiu o discurso da acusação.
De acusado, transformou-se em acusador. De preso, transformou-se em inquisidor.
O tom desrespeitoso e acusatório à Justiça foi seu método de trabalho. No
mérito, frente à série de derrotas judiciais, em todas as instâncias, consentiu
na prática de chicana processual. Foi mais de uma centena de recursos de todo
tipo. Na verdade, no seu caso, não houve judicialização da política. Houve
continuadas tentativas de politização da Justiça. Porque ele reiterou o
discurso de que é um perseguido político. Sem ser. De que é um preso político.
Sem ser. Pois os juízes atuaram constitucionalmente conforme as normas do
Estado de Direito. E o processo legal foi inteiramente cumprido. Desse
episódio, restaram três consequências: para as instituições públicas
brasileiras; para o PT; e para Lula. As instituições brasileiras deram uma prova
de incontornável funcionalidade. A polícia investigou, os procuradores
denunciaram, os juízes julgaram. Ninguém pode negar, nem o mais cético
observador, que as instituições sociais, no país, estão mais fortes. Com todos
os riscos que as decisões correram. Com todas as manobras que os processos
sofreram. O PT teve uma bela história. Até o dia em que assinou uma improvável
aliança com a desonra. O Partido da ética transfigurou-se em hardware de
desfaçatez moral. E apequenou-se. Na “estimativa” em que seus principais
quadros iam enchendo prisões, o PT ia ficando menor. O fato de o PT, em
setembro de 2018, ser o Partido com maior número de simpatizantes no país
mostra que, eticamente, o sistema politico brasileiro ficou ainda menor. A
direção do MDB está sob investigação. E dois dos maiores líderes do PSDB passam
pela prisão. O PT tem, entre as alternativas no futuro, uma que recupera sua
vocação original. A de Partido social democrata. Como o PSDB. No caso do PT,
social democrata forjado nos sindicatos e na burocracia. No caso do PSDB,
tecido por intelectuais e administradores. Lula não quis conversa com Fernando
Henrique. O metalúrgico não alimentou o diálogo com o sociólogo. PT e PSDB
afastaram-se. Dependendo do espaço que Fernando Haddad conseguir no Partido, o
PT pode reinventar-se. Principalmente se ele ganhar a eleição. Ele não é
metalúrgico nem sindicalista. É professor com mestrado e doutorado em
Filosofia. A conversa pode ser outra. Ou desembocar em mais uma crise política.
Por sua vez, Lula, que já foi o cara, afogou-se na amargura do não. Não aos
juízes, não aos empresários, não ao Lula real. Lula encarcerou a prisão na
irrealidade de sua imaginação. E pretendeu tornar o mundo ao ser redor refém de
seu ego. Resistiu até onde pode a indicar um sucessor. Porque ele sabe que, na
medida em que o candidato petista for vivendo, ele vai morrendo. A vida
eleitoral de Haddad é a morte política de Lula. Vargas saiu da vida para
entrar na história. Lula quis criar uma história para continuar na vida. Não
deu. O caminho que ele tomou deixa duas correções por fazer: internamente, a
falta de qualidade nos programas governamentais que buscaram principalmente
quantidade de votos. E, externamente, uma ideia bizarra de bolivarianismo que
resultou na tragédia venezuelana. O centro que tantos buscam na eleição, vai se
concretizar no governo. Nunca deu certo e não vai dá agora, é questão natural.
Antônio Scarcela Jorge.
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