COMENTÁRIO
Scarcela Jorge ELEIÇÕES OBJETIVAS
Nobres:
Em termos raro de produção parlamentar as discussões que se têm travado
no Congresso Nacional, nas seis últimas legislaturas, sobre o que se
convencionou chamar de reforma política, a ênfase foi sempre substituir o
sistema eleitoral em uso no Brasil desde 1945 por um modelo alternativo. Nesse contexto, depurar o vigente mecanismo de lista aberta de suas distorções,
aprimorando-o, nunca esteve na ordem o dia, tanto assim é que seu formato é
praticamente idêntico ao de seus primórdios, e a única mudança havida desde
1950 foi a de excluir os votos brancos dos votos válidos. O presente termo legislativo enveredou pelo mesmo caminho dos anteriores e só
se voltou para corrigir a maior aberração do atual sistema, as coligações
proporcionais depois de frustradas as tentativas de instituir o famigerado
mecanismo de voto conhecido como distritão (neste sistema majoritário não
existe quociente eleitoral nem coligações). O fim das coligações proporcionais. A grande reforma eleitoral desta
legislatura representa uma lipoaspiração do sistema de lista aberta de cerca de
80% dos seus problemas. Os aproximados 20% restantes se devem a algumas poucas
deformações, adstritas à legislação infraconstitucional, facilmente corrigível.
Dentre estas, desponta a proibição de partidos disputarem sobras de voto se não
tiverem alcançado o quociente eleitoral. A evidência empírica de cada eleição
mostra que tal dispositivo legal, além de injusto, é incoerente. Com efeito, o
princípio básico que preside o sistema proporcional consiste em assegurar
representação parlamentar às várias forças políticas da sociedade, de sorte que
haja relativa equivalência entre a proporção de votos e de mandatos obtidos
pelos partidos. Esse alicerce conceitual do sistema dá sustentáculo à
participação de siglas menores no processo eleitoral com perspectiva de almejar
ascensão ao Legislativo. Essa proibição, todavia, dificulta precisamente tais
siglas de obterem representação parlamentar. Uma contradição. É oportuna uma
breve explicação sobre outra distorção, mais conhecida e afamada, a do puxador
de voto, candidato cuja grande votação ultrapassa o quociente eleitoral do
pleito e gera sobras de votos, suficientes para eleger outros candidatos - às
vezes com votações ínfimas do seu partido ou coligação. A mídia e boa parte dos
parlamentares exploram muito esse fenômeno (“efeito Enéas” ou “efeito
Tiririca”) no contexto de críticas ao modelo vigente. Na verdade, tais ocorrências
como por exemplo Miguel Arraes (1990), Enéas Carneiro (2002), Ciro Gomes
(2006), Garotinho (2010), Tiririca (2010 e 2014) e Celso Russomano (2014) e com
pouquíssimos rebatimentos no atual mecanismo. É um problema menor, pontual,
reverberado magnificadamente apenas por conta dos famosos atores envolvidos, e,
ademais, bastante simples de ser resolvido. O que importa mesmo é que são
profundas as conseqüências do fim das coligações, começando com o
restabelecimento da essência do modelo proporcional: partidos ocupam cadeiras
legislativas de acordo com a proporção de votos; E mais: desaparece o mercado
de aliciamento de partidos e compra de votos; diminui o número de siglas
partidárias registradas e dificulta o aparecimento de novas; o voto de legenda
readquire significado político-partidário-eleitoral; há fortalecimento dos
partidos; estimula-se a criação de blocos parlamentares entre partidos com
afinidades programáticas; somente partidos que ultrapassam o quociente
eleitoral elegem representantes; promove maior identidade entre eleitor,
candidato e partido.
Antônio Scarcela Jorge.
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