COMENTÁRIO
Scarcela JorgeREFORMA IMBUTIDA
Nobres:
Para consumação precisas um sensível retrocesso. Assim se pode sintetizar
o resultado da reforma política, após as derradeiras votações na Câmara dos
Deputados e no Senado. No capítulo dos avanços, historio
duas medidas destinadas a diminuir a influência de partidos sem
representatividade. A primeira institui gradualmente uma cláusula de desempenho
(ou de barreira), estipulando uma porcentagem mínima de votos válidos nas
eleições para deputados federais, distribuídos em pelo menos um terço dos
Estados, para que uma agremiação política desfrute de plenas prerrogativas
legais. Há hoje inconcebíveis 35 legendas registradas, 25 delas com representantes
na Câmara. A segunda extingue, a partir de 2020, em eleições para deputados e
vereadores, as coligações partidárias, mecanismo que assegura a legendas
minúsculas a possibilidade de ver eleitos seus candidatos, além de promover a
constituição de alianças sem nenhuma coerência ideológica ou programática. Num
lance surpreendente, o Congresso aprovou o fim da propaganda partidária nas
redes de rádio e televisão aquela conhecida e irritante rotina estendida ao
longo do ano, que não se confunde com o horário reservado aos candidatos em
períodos eleitorais. Fracasso, felizmente, a idéia de liberar o telemarketing
eleitoral, que deixaria o eleitor brasileiro exposto a telefonemas políticos
das 9 às 20h, de segunda a sábado. Entretanto o principal objetivo de toda a
reforma com o qual concordaram as lideranças de partidos tão díspares quanto o
DEM, o PC do B, o PMDB e o PT foi impor aos contribuintes uma conta de cerca de
R$ 2 bilhões para que os políticos brasileiros financiem suas campanhas; estas
já contavam com algo em torno de R$ 1 bilhão do Fundo Partidário. Essa
investida contra os cofres públicos é a conseqüência, plenamente evitável, da
proibição a que empresas contribuam com candidaturas e partidos. Se associado a
regras de transparência e a limites rígidos de gastos, o financiamento privado,
e ademais voluntário, não teria por que ser extinto. Anuncia-se, entretanto, um
máximo de gastos permitidos a cada candidatura, o que é positivo. No pleito
presidencial, promete-se teto de R$ 70 milhões no primeiro turno; nas últimas
eleições, a chapa vitoriosa gastou R$ 384 milhões, só considerando dados
oficiais. De mais esdrúxulo, uma emenda obriga sites a retirar temporariamente
conteúdos políticos da internet a partir de mera denúncia de usuário, sem necessidade
de ordem judicial. Não parece crível que tal disparate possa prosperar.
Antônio Scarcela Jorge.
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