COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
ESTADO DE ALERTANobres:
Mesmo tendo passado o choque inicial e arrasador da delação da JBS, o
presidente Michel Temer dedica-se a convencer uma audiência restrita de que tem
condições de permanecer no cargo. Impopular desde a origem de seu governo,
Temer não se dirige ao público geral quando apresenta sua defesa. Fala,
principalmente, às instituições do Judiciário e aos partidos de sua base de
sustentação no Legislativo. Sua tarefa, dificílima, é contestar os indícios e
procedimentos que motivaram um inquérito contra si e, mais relevante de um
ponto de vista pragmática, evitar a debandada de sua coalizão parlamentar. Temer
há muito manifesta sua preocupação com a prudência jurídica, o direito à plena
defesa e a presunção da inocência, que correm o risco de ser violados no
turbilhão diário de escândalos e em meio à indignação da opinião pública. Sob o
prisma político, entretanto, as gravíssimas suspeitas levantadas contra Temer
são plausíveis o bastante para comprometer a capacidade de governar ainda que o
inquérito em curso não revele de pronto novas complicações. O mau exemplo foi
que o presidente recebeu na residência oficial um empresário investigado
passivamente, ouviu-o discorrer sobre intenções de subornar procuradores.
Designou ainda a Batista um interlocutor privilegiado, o deputado Rodrigo Rocha
Loures, afastado do posto após flagrante de receptação de dinheiro. Na arena
parlamentar, Temer depende de manter uma coalizão que não apenas contenha
investidas por seu impedimento, mas que respalde a agenda de estabilização
econômica esteio básico, talvez único, de sua gestão. Político reconhecidamente
habilidoso, Temer fez avançar reformas cruciais. Aprovaram-se o teto para os
gastos públicos e o programa de socorro a Estados falidos; há pela frente as
reformas previdenciárias, dentre elas, sem as quais a retomada econômica
torna-se ainda mais incerta. A própria hipótese de que Temer venha a ser
deposto, aliás, basta para provocar a retração de consumidores e empresas.
Vislumbra-se, assim, um círculo vicioso em que fragilidades do mandatário, de
sua base e da economia acentuam umas às outras. É ameaça que o governo, por um
fio, terá de debelar em questão de dias.
Antônio Scarcela Jorge.
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