AÇÃO ENTRE OS PODERES DA REPÚBLICA BRASILEIRA.
Debate sobre foro privilegiado deve ganhar força
após o carnaval; veja propostas.
Críticos dizem que acúmulo de
ações contra políticos no Supremo Tribunal Federal traz morosidade e risco de
prescrição; para ministros, mudança mais radical deve ser feita pelo Congresso.
A discussão sobre o fim, ou a
limitação, do chamado foro privilegiado de autoridades e políticos deve ganhar
força na retomada das atividades do Congresso e do Judiciário após o carnaval.
O presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), já disse que, antes de pautar qualquer iniciativa legislativa
sobre o assunto, vai aguardar uma posição do Supremo.
Mas, no Congresso, o tema sofre
resistência, em razão da possibilidade de muitos parlamentares virem a ser denunciados
pela Procuradoria Geral da República, depois do carnaval com base nas delações
de executivos e ex-executivos da empreiteira Odebrecht motivadas pela Operação
Lava Jato.
O foro privilegiado, ou foro por
prerrogativa de função – permite que deputados, senadores, ministros de Estado
e outras autoridades só possam ser investigados com autorização do Supremo
Tribunal Federal (STF), única instância na qual são julgados por crimes comuns.
Embora os casos mais lembrados se
relacionem a investigações das quais são alvos ministros e parlamentares no
STF, o foro privilegiado abrange, conforme levantamento recente da Associação
dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), mais de 45 mil ocupantes de cargos
públicos, prefeitos, secretários de governo, juízes, promotores e outras
autoridades cujas ações tramitam em instâncias superiores ao primeiro grau da
Justiça.
Ministro Luís Roberto Barroso
defende o fim do foro privilegiado.
Balanço recente do ministro Luís
Roberto Barroso, que defende o fim do foro privilegiado mostra que, só no STF, tramitam atualmente cerca de 500 processos que envolvem
deputados federais e senadores, dos quais 357 investigações e 103 ações penais.
O número deve crescer
substancialmente quando a Procuradoria Geral da República (PGR) pedir novos
inquéritos com base na delação premiada de 77 executivos da Odebrecht na
Operação Lava Jato, na colaboração, estima-se que tenham sido citados 200
políticos.
Criada no regime militar e
ampliada pela Constituição de 1988, a prerrogativa de foro teve como premissa
evitar a pressão de políticos sobre juízes locais contra adversários.
Quase 30 anos depois, o instituto
é criticado por prolongar processos as quais respondem deputados e senadores,
levando muitos casos à prescrição (situações em que a demora para o julgamento
obriga o Judiciário a arquivar a ação).
Segundo Barroso, desde 2001,
quando o STF passou a julgar parlamentares sem necessidade de autorização do
Congresso, mais de 60 prescrições ocorreram.
Enquanto um tribunal de primeira
instância recebe uma denúncia com cerca de uma semana, na Corte o mesmo
procedimento (que leva um acusado a se tornar réu) demora, em média 565 dias.
Como as decisões do STF não podem
ser objeto de recursos a uma instância superior, já que é a mais alta Corte do
país.
As regras internas impõem uma
análise mais rigorosa e prolongada para cada fase da tramitação de um processo.
Recentemente, numa proposta
interna para reduzir o alcance do foro (leia mais abaixo), o ministro disse que
o mecanismo se tornou um “mal” para o STF e para o país.
Em primeiro lugar, existem razões
filosóficas: trata-se de uma reminiscência aristocrática, não republicana, que
dá privilégio a alguns, sem um fundamento razoável.
Em segundo lugar, devido a razões
estruturais: Cortes Constitucionais, como o STF, não foram concebidas para
funcionarem como juízos criminais de 1º grau, nem têm estrutura para isso.
O julgamento da Ação Penal 470
(conhecida como Mensalão) ocupou o Tribunal por um ano e meio, em 69 sessões.
Por fim, há razões de justiça: o foro por prerrogativa é causa frequente de
impunidade porque dele resulta maior demora na tramitação dos processos e
permite a manipulação da jurisdição do Tribunal”, escreveu Barroso.
A maior dúvida, como expressou
recentemente o relator da Operação Lava Jato na Corte, ministro Edson Fachin –
também crítico da extensão do foro, é a quem cabe fazer a mudança: se ao
próprio STF ou ao Congresso.
“Essa é uma discussão que se pode
ter. Até aqui não houve essa restrição, mas é um debate que se pode colocar.
Mas entendo que substancialmente deve ser o Congresso a discutir essa questão”,
disse na semana passada o ministro Gilmar Mendes.
Propostas.
Congresso tem várias propostas
que acabam ou limitam foro privilegiado.
Câmara.
Na Câmara, existem menos 14 propostas
– a mais antiga de 2005, para retirar o foro de deputados e senadores, que
passariam a ser processados por juiz de primeira instância.
A proposta, porém, está parada na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), à espera da designação de um relator
(deputado que dá um parecer sobre a matéria e leva o texto à discussão).
Outras
quatro propostas semelhantes foram juntadas a essa e por isso têm tramitação
conjunta.
Duas outras propostas, de 2007,
mantêm o foro apenas para os chamados crimes de responsabilidade – aqueles
estritamente ligados ao exercício do mandato. Uma dessas está pronta para
votação no plenário da Casa.
Há ainda propostas em tramitação
para mudanças menos drásticas: uma mantém no STF a análise de denúncia ou
queixa-crime contra deputados e senadores. Recebida a denúncia, os autos seriam
remetidos à Justiça Federal ou comum, a quem caberá processar e julgar a causa.
Outra prevê a criação de vara
especializada da Justiça Federal para julgar as infrações penais de
parlamentares, ministros do STF e ministros do Executivo, além dos crimes de
responsabilidade cometidos por ministros do Executivo e de membros dos
tribunais superiores.
Mas também há textos que ampliam
o foro privilegiado no STF, estendendo-o para o defensor público-geral federal,
membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP).
Randolfe Rodrigues critica o foro
privilegiado.
Senado.
No Senado, estão em tramitação
pelo menos quatro propostas de emenda à Constituição (PECs) com o objetivo de
diminuir os casos em que se aplica o foro privilegiado.
A PEC em estágio mais avançado é
a que extingue o foro especial por prerrogativa de função nos casos em que as
autoridades, presidente, senadores e deputados, entre outras, cometem crimes
comuns, como, por exemplo, roubo e corrupção.
“Hoje, o foro especial é visto
pela população como privilégio odioso, utilizado apenas para proteção da classe
política – que já não goza de boa reputação, devido aos sucessivos escândalos
de corrupção", disse o relator da proposta, Randolfe Rodrigues (REDE-AP).
De autoria de Álvaro Dias
(PV-PR), o texto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
e está pronto para ser analisado no plenário do Senado. Mas não há consenso
entre os líderes partidários para que o texto seja colocado em votação.
Na semana passada, Randolfe
Rodrigues anunciou que vai colher assinaturas de senadores para que o texto
tenha um calendário especial de votação e que sejam agendadas datas para
análises em 1º e 2º turno no Senado.
Ministros se manifestam sobre
foro privilegiado para autoridades.
Supremo.
A mais recente e importante
proposta em discussão no STF foi lançada pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Ele é relator de uma ação penal
por suposta compra de votos à qual responde o prefeito de Cabo Frio (RJ),
Marquinhos Mendes (PMDB), que, desde 2008, já tramitou por diversas instâncias
cada vez que o político mudou de cargo.
A proposta restringe o foro para
ministros de governo ou parlamentares no STF àqueles casos em que o fato
investigado tem relação com o cargo ou o mandato e não com atos anteriores
daquela autoridade.
“Essa interpretação se alinha com
o caráter excepcional do foro privilegiado e melhor concilia o instituto com os
princípios da igualdade e da República.
Além disso, é solução atenta às
capacidades institucionais dos diferentes graus de jurisdição para a realização
da instrução processual, com maior aptidão para tornar o sistema de justiça
criminal mais funcional e efetivo”, escreveu o ministro, ao submeter o caso de
Marquinhos Mendes ao plenário da Corte.
O ministro Celso de Mello disse
ser possível ao STF fazer tal mudança, mas defendeu uma solução mais “radical”:
“a supressão pura e simples de todas as hipóteses constitucionais de
prerrogativa de foro em matéria criminal”.
“Poderia até concordar com a
subsistência de foro em favor do presidente da República, nos casos em que ele
pode ser responsabilizado penalmente, e dos presidentes do Senado, da Câmara e
do Supremo. E a ninguém mais”, disse à época.
Assim como Mendes, Barroso e
Celso de Mello concordam, porém, que uma mudança dessa envergadura depende de
mudança na Constituição pelo Congresso, que necessita do voto favorável de 3/5
dos parlamentares.
Fonte: G1, Brasília.
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