COMENTÁRIO
Scarcela Jorge PRIVILÉGIO PARA O POLÍTICO CORRUPTO.
Nobres:
Essa anomalia considerada pela sociedade ética introduzida no cenário
constitucional do país o ‘tal foro privilegiado’ acabou sendo visto como
“privilegiado”? Pela percepção de que, no fim, quem o detém sempre acaba
escapando impune. Julgamentos que se arrastam por anos sem fim, crimes que prescrevem
procedimentos que têm trâmite muito mais veloz em outras instâncias por mais
que o julgamento do mensalão tenha mostrado que foro privilegiado não é
sinônimo de impunidade, a sociedade compara o andamento dos processos da Lava
Jato na Justiça Federal de Curitiba e no STF e conclui que bom mesmo é esse tal
foro privilegiado que o digam aqueles que, em ligações telefônicas divulgadas
com autorização judicial, aconselharam o ex-presidente Lula a aceitar um cargo
de ministro para escapar do juiz Sergio Moro. O sistema foi desvirtuado pelo excesso:
as autoridades com foro privilegiado são inúmeras, mas não deveria ser assim.
A prerrogativa de foro coloca as autoridades diante de colegiados formados por
magistrados mais preparados tecnicamente e mais blindados contra pressões da
pequena política. Além disso, quem é julgado na instância máxima, se condenado,
já não tem outra corte à qual recorrer, ao contrário de quem é condenado em
primeira instância e ainda pode levar seu caso a outros tribunais até esgotar
todas as possibilidades de recurso, prolongando o processo. E a prerrogativa de
foro ainda evita que as autoridades gastem tempo precioso que poderia escorrer
pelo ralo da perseguição política de agentes públicos mal-intencionados. Qual
é, então, o problema? O sistema foi desvirtuado pelo excesso: as autoridades
com foro privilegiado são inúmeras, incluindo chefes do Poder Executivo,
ministros, secretários de Estado, membros do Legislativo nas três esferas, do
Judiciário, do Ministério Público, de tribunais de contas. Nas estimativas da
força-tarefa da Lava Jato, seriam 22 mil pessoas em todo o país, algo sem
paralelo em outras nações do globo. E, quanto mais autoridades com prerrogativa
de foro, mais trabalho tem tribunais criados com outras funções: o Supremo
Tribunal Federal, por exemplo, deveria ser uma corte dedicada à interpretação
de questões constitucionais; o Superior Tribunal de Justiça tem como função
unificar o entendimento sobre a legislação federal. Mas, quando a seu trabalho
ordinário que já não é pouco, se acrescenta o de julgar um sem-número de
autoridades, todo o funcionamento da corte é afetado; nem as ações penais, nem
aquelas que são o escopo natural dos tribunais superiores correm na velocidade
ideal. Daí a dificuldade prática que o foro privilegiado, no sistema atual,
impõe ao Judiciário, criando a impressão, para o público, de que esse é um
caminho para a impunidade. A solução para a prerrogativa de foro não é
anatematizá-lo, mas corrigi-lo. É urgente uma revisão de sua extensão. Ela pode
ocorrer pela redução do número de autoridades sujeitas a foro privilegiado –
não vemos, por exemplo, por que ministros e secretários de Estado devam
responder a processo apenas nos TJs ou tribunais superiores, ou por alguma
diferenciação nos crimes e nas instâncias; por exemplo, separando crimes comuns
dos que têm ligação com a função exercida, ou crimes cometidos antes da posse
em cargo público dos crimes cometidos durante o exercício do cargo. Há diversos
projetos de lei a esse respeito no Congresso, que há de encontrar a fórmula
ideal, que não sobrecarregue os tribunais responsáveis por esses julgamentos só
não é possível manter a prerrogativa de foro em seu formato atual, que
efetivamente resulta em um privilégio.
Antônio Scarcela Jorge.
Nenhum comentário:
Postar um comentário