COMENTÁRIO
Scarcela Jorge.O BRASIL EQUIVOCADO.
Nobres:
É deveras lamentável, ver um órgão como o STF, do qual se espera amplo
discernimento, tomar uma decisão tão equivocada, como se, para restabelecer a
justiça social, o dinheiro para essa e as futuras indenizações surgisse do
nada, sem que fosse tirado de outras rubricas orçamentárias quiçá do próprio
orçamento previsto para a manutenção das prisões ou, talvez, do bolso do
contribuinte “convidado” a bancar esta extravagância com aumento de impostos. Mais
uma prova de que foi dada pelo Supremo Tribunal Federal em 16 de fevereiro, ao
determinar que o governo do Mato Grosso do Sul indenize em R$ 2 mil um preso
pelo fato de ele ter sido encarcerado em condições degradantes, como
superlotação, falta de higiene ou maus tratos. Os dez ministros que
participaram do julgamento concordaram que o Estado deveria compensar o
detento; sete votaram pela indenização em dinheiro, enquanto três propuseram
redução no tempo da pena proporcional ao número de dias passados na cadeia.
Como a decisão tem repercussão geral, pode-se agora esperar uma enxurrada de
ações judiciais de presos e ex-detentos buscando ressarcimento. A situação das
prisões brasileiras está muito longe da ideal. Apesar de a polícia prender
pouco, e não muito como se costuma alegar afinal, mesmo no mais grave dos
crimes, o homicídio, a porcentagem de casos solucionados e de autores
condenados é baixíssima, o que estimula a criminalidade, os detentos já são em
número muito maior que a capacidade do sistema prisional, levando à
superlotação e todas as mazelas dela decorrentes. Sem falar dos casos de quem,
por falha da Justiça ou de quem os defende, já poderia ter deixado as prisões
por progressão de regime. Por mais sedutor que isso possa parecer, o conjunto
dos problemas brasileiros não será resolvido com uma canetada. O caos prisional
demonstra haver um problema sério, antigo e persistente de gestão, o que não é
novidade para ninguém e representa apenas mais uma faceta de um mesmo quadro
geral. Mazela que, unida a um sem-número de outras, pode resolver-se única e
exclusivamente no âmbito próprio, político-administrativo, em que há quem tenha
a incumbência de decidir onde serão alocados recursos que são escassos e
limitados uma ingrata tarefa. Por mais sedutor que isso possa parecer, o
conjunto dos problemas brasileiros não será resolvido com uma canetada. Para se
verificar o absurdo dessa tese, basta levá-la às últimas conseqüências. Se o
Estado falhou com os detentos ao não lhe fornecer condições dignas, também
falhou de forma ainda mais grave, pode-se dizer – com as vítimas de crimes e com
as famílias das 60 mil pessoas assassinadas anualmente no Brasil. Falhou com os
doentes que vêem sua condição se agravar enquanto aguardam por um exame ou uma
consulta na rede pública; falhou com os estudantes que saem das escolas
públicas diplomados, mas semi-analfabetos; falhou com as mães pobres que não
têm onde deixar seus filhos enquanto trabalham. O poder público haverá de
indenizar todos eles? A sistemática incompetência dos governantes eleitos será
resolvida pela distribuição indiscriminada de indenizações? Não é preciso
raciocinar muito para se chegar à conclusão de que estaríamos em uma situação
inviável em que os prejudicados estariam pagando a si mesmos, u gerando mais um
círculo vicioso em que mais indenizações exigem mais carga tributária e deixam
menos dinheiro para a melhoria dos serviços, que continuarão se deteriorando,
por sua vez gerando novas indenizações. Sim, o poder público, dentro de suas
atribuições, tem de zelar pela dignidade dos cidadãos, e isso também inclui os
detentos. Mas o dinheiro não é ilimitado e o gestor se vê diante de um típico
problema de alocação de recursos. O que a decisão do STF fez foi passar por
cima dessa prerrogativa do Poder Executivo, com o Judiciário assumindo o papel
de promotor da justiça social sem olhar para o quadro completo. Com isso,
ameaça criar uma indústria de indenizações que coloca em risco a própria
destinação de verbas para as melhorias do sistema prisional a maneira perfeita
de perpetuar o caos nos presídios. Por esta razão fica difícil mudar o Brasil
que a sociedade ética que tanto anseia.
Antônio Scarcela Jorge.
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