COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
O BRASIL EQUIVOCADO.
Nobres:
É deveras lamentável, o STF, do qual se espera amplo
discernimento, tomar uma decisão tão equivocada, como se, para restabelecer a
justiça social, o dinheiro para essa e as futuras indenizações surgisse do
nada, sem que fosse tirado de outras rubricas orçamentárias quiçá do próprio
orçamento previsto para a manutenção das prisões ou, talvez, do bolso do
contribuinte “convidado” a bancar esta extravagância com aumento de impostos.
Mais uma prova de que foi dada pelo Supremo Tribunal Federal ao determinar que
o governo do Mato Grosso do Sul indenize em R$ 2 mil um preso pelo fato de ele
ter sido encarcerado em condições degradantes, como superlotação, falta de
higiene ou maus tratos. Os dez ministros que participaram do julgamento
concordaram que o Estado deveria compensar o detento; sete votaram pela
indenização em dinheiro, enquanto três propuseram redução no tempo da pena
proporcional ao número de dias passados na cadeia. Como a decisão tem
repercussão geral, pode-se agora esperar uma enxurrada de ações judiciais de
presos e ex-detentos buscando ressarcimento. A situação das prisões brasileiras
está muito longe da ideal. Apesar de a polícia prender pouco, e não muito como
se costuma alegar afinal, mesmo no mais grave dos crimes, o homicídio, a
porcentagem de casos solucionados e de autores condenados é baixíssima, o que
estimula a criminalidade, os detentos já são em número muito maior que a
capacidade do sistema prisional, levando à superlotação e todas as mazelas dela
decorrentes. Sem falar dos casos de quem, por falha da Justiça ou de quem os
defende, já poderia ter deixado as prisões por progressão de regime. Por mais
sedutor que isso possa parecer, o conjunto dos problemas brasileiros não será
resolvido com uma canetada. O caos prisional demonstra haver um problema sério,
antigo e persistente de gestão, o que não é novidade para ninguém e representa
apenas mais uma faceta de um mesmo quadro geral. Mazela que, unida a um
sem-número de outras, pode resolver-se única e exclusivamente no âmbito
próprio, político-administrativo, em que há quem tenha a incumbência de decidir
onde serão alocados recursos que são escassos e limitados uma ingrata tarefa.
Por mais sedutor que isso possa parecer, o conjunto dos problemas brasileiros
não será resolvido com uma canetada. Para se verificar o absurdo dessa tese,
basta levá-la às últimas conseqüências. Se o Estado falhou com os detentos ao
não lhe fornecer condições dignas, também falhou de forma ainda mais grave,
pode-se dizer – com as vítimas de crimes e com as famílias das 60 mil pessoas
assassinadas anualmente no Brasil. Falhou com os doentes que vêem sua condição
se agravar enquanto aguardam por um exame ou uma consulta na rede pública;
falhou com os estudantes que saem das escolas públicas diplomados, mas
semi-analfabetos; falhou com as mães pobres que não têm onde deixar seus filhos
enquanto trabalham. O poder público haverá de indenizar todos eles? A
sistemática incompetência dos governantes eleitos será resolvida pela
distribuição indiscriminada de indenizações? Não é preciso raciocinar muito
para se chegar à conclusão de que estaríamos em uma situação inviável em que os
prejudicados estariam pagando a si mesmos, u gerando mais um círculo vicioso em
que mais indenizações exigem mais carga tributária e deixam menos dinheiro para
a melhoria dos serviços, que continuarão se deteriorando, por sua vez gerando
novas indenizações. Sim, o poder público, dentro de suas atribuições, tem de
zelar pela dignidade dos cidadãos, e isso também inclui os detentos. Mas o
dinheiro não é ilimitado e o gestor se vê diante de um típico problema de
alocação de recursos. O que a decisão do STF fez foi passar por cima dessa
prerrogativa do Poder Executivo, com o Judiciário assumindo o papel de promotor
da justiça social sem olhar para o quadro completo. Com isso, ameaça criar uma
indústria de indenizações que coloca em risco a própria destinação de verbas
para as melhorias do sistema prisional a maneira perfeita de perpetuar o caos
nos presídios. Por esta razão fica difícil mudar o Brasil que a sociedade ética
que tanto anseia.
Antônio Scarcela Jorge.
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