COMENTÁRIO
SEMPRE O RECESSO BRANCO
Há quem defenda que as campanhas
eleitorais sejam financiadas com dinheiro público. O argumento é de que só
assim a política seria moralizada, pois partidos e candidatos não precisariam
recorrer às doações privadas, mãe da corrupção que grassa desvairada na teia de
compromissos espúrios que passa a envolver os eleitos com seus doadores. Mas a
verdade é que as campanhas já são, na prática, financiadas com dinheiro
público. Doações privadas, de modo geral, apenas suplementam as fortunas
que saem do erário a título de contribuição para o exercício da democracia.
Para caracterizar o já existente financiamento público de campanhas, existe o
Fundo Partidário dinheiro que sai do Orçamento diretamente para os cofres dos
partidos. Somente em 2012, milhões de reais tomam este destino, com uma
curiosidade esdrúxula: boa parte do Fundo é constituída por multas aplicadas
pela Justiça Eleitoral contra quem infringiu a legislação. Ou seja: quanto mais
os partidos e seus candidatos descumprirem as leis, maior é o volume de
recursos que recebem! Mas não para aí o escândalo do financiamento
público direto das campanhas. Há
também o indireto, ainda mais atentatório à consciência dos cidadãos e
dos contribuintes. Estamos diante de um caso desses neste exato momento: deputados
estaduais no período em que antecede as eleições municipais de forma natural “estabeleceram”
uma espécie de “recesso branco” para cumprir agendas de campanha em suas bases
eleitorais, quer disputando eles próprios (inclusive o seu presidente), para
apoiar correligionários que concorrem às prefeituras e câmaras municipais. Neste
sentido à atividade parlamentar foi reduzida ao mínimo, limitando-se à
apreciação de projetos de pouca relevância. Segundo quase todos os
deputados dizem que por esta ação seria compreendido pela sociedade. – Certo
seria que a sociedade talvez compreendesse os deputados se eles deixassem de
receber durante o período em que não trabalhassem como na iniciativa privada,
em que funcionários podem tirar licenças não remuneradas quando há um motivo
relevante. Apesar de, no caso dos parlamentares, ser possível questionar a
existência de tais motivos, especialmente para os deputados que não disputam a
eleição e se ausentam da Assembleia apenas para ajudar aliados. Já no caso dos
parlamentares candidatos, poderíamos comparar sua situação à de um trabalhador
que pedisse licença não remunerada para procurar um novo emprego, com a
garantia de retornar ao posto caso a busca fosse infrutífera. Cabe a cada um
avaliar se esse seria um motivo relevante ou não. Mas não: a espécie de
“recesso branco” não implicará nenhum tipo de desconto. Os deputados receberão
normalmente o salário pago com dinheiro religiosamente recolhido aos cofres
públicos pelos contribuintes-eleitores. Quando terminar a nova folga, os
deputados terão recebido integralmente por praticamente um mês inteiro de
inatividade parlamentar. Um prejuízo tão imoral quanto financeiro é o
descumprimento das funções legislativas de que estão constitucionalmente
encarregados os deputados, eleitos pelo voto popular para honrar o “soberano” a
que se propuseram (e juraram cumprir) quando disputaram suas eleições. É um
prejuízo não contabilizado monetariamente, mas é, sem dúvida, uma demonstração
do desprezo que os políticos devotam aos próprios mandatos, à instituição a que
pertencem e à população que os elegeu.
Antônio Scarcela Jorge
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