PADRE MESSIAS RANGEL
PÁROCO DE NOVA-RUSSAS
“Documento elaborado
pelo colegiado em assembleia composta por Padres, religiosas e coordenadores
das pastorais da diocese de Crateús, reunidos em Assembleia em Nova-Russas, de
20 a 21 de setembro de 2012”
(CARTA ABERTA)
AO POVO DE DEUS DAS
IGREJAS DE CRATEÚS NA SECA DE 2012
Padres, religiosas e coordenadores das pastorais da diocese
de Crateús, reunidos em Assembleia em Nova-Russas, de 20 a 21 de setembro de
2012, buscamos escutar cada pessoa que relatou a situação do seu município
neste ano de uma das maiores secas das últimas décadas.
Muitos gritos foram levantados e pedem abertura de coração
por parte de quem quer ser discípulo de Jesus, que chamou a si todas as pessoas
cansadas e fatigadas para que encontrem alivio.
O Grito por água de
beber
- É crucial a falta de água em quase todas as cidades da
região, sobretudo em Quiterianópolis;
- A comercialização da água fornecida por carros pipas da
Defesa Civil do Estado, em alguns casos, como a que ocorre pela rede de
abastecimento, na vila Pereiros, em Nova-Russas, cobrada pela Prefeitura;
- A quantidade de água é insuficiente para o abastecimento
humano e a qualidade da água distribuída é duvidosa;
- A cobrança feita pela Cagece da água fornecida em
quantidades e qualidades não correspondentes aos contratos assinados;
- A especulação das construtoras de novos bairros que vão
inchando as periferias e abrindo novos loteamentos, quando o sistema de
abastecimento de água e de esgoto não tem condições de sustentar os imóveis
atuais;
O grito pelo criatório
- O criatório (bovino, caprino, ovino, de abelha...) está
sofrendo pela falta de água e pastagem, obrigando a vender parte ou toda
criação para sustentar o que sobrou;
- O milho da Conab chegou em quantidade insuficiente,
deixando muitos trabalhadores se empalhando nas filas de espera pela
desorganização do sistema de distribuição;
- A burocracia exigida pelos Bancos inviabiliza o acesso às
linhas de crédito emergenciais;
O grito por sementes
Anos seguidos sem produção, ou de pequena produção, fizeram
com que as famílias perdessem as sementes tradicionais. Essas não são
substituídas pelas sementes distribuídas pelo governo que não são apropriadas
ao nosso semiárido e não são aceitas pela cultura dos povos do sertão;
O grito de quem vai
embora
Muitas pessoas desistem do campo, passando a inchar a
periferia das capitais e de cidades do interior; outras famílias são
despedaçadas, quando maridos ou filhos vão para o corte da cana, para o
trabalho com o gesso, os crediários, as lanchonetes... Empobrecendo nossa
região das forças mais novas, mais ativas e mais inovadoras, em troca de
pequenas remessas de dinheiro;
O grito de quem está
fora dos programas sociais
Muitas famílias estão fora dos programas sociais porque não
têm terra para plantar, não têm casa para terem direito a uma cisterna; não têm
documentos para terem acesso ao cartão cidadão... e que nesse tempo de seca têm
menor possibilidade de contar com a solidariedade da grande família que está
enfraquecida pela seca;
O grito pela
convivência do semiárido
O processo para aprender a conviver nesta terra semiárida,
nossa amada terra prometida, anda lentamente. São poucos os municípios que
encaminharam uma contextualização da educação. Existe somente uma EFA na
região, economicamente não assumida pelo poder público; temos isoladas
experiências de captação de água de chuva e de irrigação; quase inexistente é a
produção de forragem e ensilagem; não temos reflexão sobre o jeito de planejar,
construir e viver no meio urbano, em harmonia com nosso clima e nossas riquezas
naturais.
Como resposta a esses
gritos, nossa Diocese, se compromete a:
- assumir essa
realidade, no cotidiano de nossas atividades litúrgicas, catequéticas e
pastorais;
- revitalizar as
"Casas de Sementes" e fazer campanhas para adquirir sementes
tradicionais que reabasteçam essas Casas, pois há muitos anos representam um
importante instrumento de organização, em vistas da autonomia e soberania
alimentar e nutricional das famílias e comunidades;
- motivar e apoiar
mutirões e ações comunitárias para recuperar poços, cacimbões, olhos d'água; e
fazer a limpeza dos açudes, beira dos rios, cisternas...
- multiplicar as
Escolas Camponesas, apoiar as EFAs, implementar a Educação Contextualizada em
nossos municípios.- apoiar as reivindicações dos trabalhadores(as) junto aos
governos municipais, estaduais, federal, à Cagece, Conab, BNB e demais
instituições.
Assim como os profetas bíblicos queremos reconhecer e
indicar os sinais dos bons tempos que estão sendo preparados, através dos
muitos pequenos sinais, espalhados em muitos pequenos lugares, onde se
experimenta a construção do "bem viver" na solidariedade que faz com
que o pouco seja muito e no respeito à mãe terra que sempre nos sustenta e nos
alimenta.
Nova-Russas, 21 de
setembro de 2012.
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