COMENTÁRIO
Scarcela JorgeA FALSA NORMALIDADE.
Nobres:
Em momentos de crise política aguda, chefes de governo não raro cancelam
compromissos no exterior, em geral meramente protocolares. Michel Temer (PMDB)
pretendeu transmitir a impressão de normalidade ao manter a anódina agenda que
cumpre na Rússia. A tarefa mostrou-se,
decerto, mais árdua do que o imaginado. O presidente tinha de desconversar
sobre o relatório parcial
da Polícia Federal que lhe imputa o crime de corrupção passiva. "Vamos esperar. Isso
é juízo jurídico, não é juízo político." Poucas horas depois já não podia
recorrer a tal evasiva, ao ser questionado sobre uma inesperada derrota do
governo em votação da reforma trabalhista no Senado. A saída foi minimizar o malogro, ainda reversível. São
díspares, sem dúvida, as gravidades de um e outro episódio. Nem por isso,
entretanto, seria possível dissociá-los. É na coesão de sua base de apoio
parlamentar que Temer se fia para evitar um processo por crime comum, a partir
de denúncia a ser apresentada em questão de dias ou semanas, conforme se espera,
pela Procuradoria-Geral da República. E com a perspectiva de estabilidade
econômica, além de algum avanço de reformas, o presidente reúne argumentos de
ordem pragmática para ser mantido no posto que se somam à aposta no espírito de
preservação da classe política ameaçada pela Lava Jato. Hoje o Planalto parece
contar com votos mais do que suficientes para barrar o avanço de uma denúncia
de corrupção, que, pelo texto constitucional, depende de dois terços dos
deputados. No entanto, a rejeição, por 10 votos a 9, da reforma trabalhista
pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado é, até aqui, o sinal mais evidente
de quão frágeis podem ser os laços a unir hoje a coalizão governista na qual os
partidos estão em busca de opções. O inquérito da Polícia Federal ainda não
está concluído, mas o que se sabe já basta para minar a credibilidade de Temer.
Dificilmente haverá explicações satisfatórias para seu diálogo comprometedor
com Joesley Batista, da JBS, e a mala com R$ 500 mil entregue a um ex-assessor
da Presidência. Outras suspeitas estão lançadas, como a suposta interferência
do mandatário para favorecer o frigorífico no BNDES, ou comissões que teriam
sido pagas a expoentes do PMDB. Resta conhecer a solidez da peça acusatória a
ser apresentada pela Procuradoria-Geral. Há pela frente, como nas palavras de
Temer, um juízo político e um jurídico. Neste, o presidente é inocente até
prova em contrário; naquele, o preço a pagar pela própria sobrevivência assume
viés de alta. no país dos impossíveis tudo pode acontecer.
Antônio Scarcela Jorge.
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