COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
CIDADÃOS SOFRÍVEIS
Nobres:
Poderia
ser surreal, mas é verdade, onde milhões de pessoas se esforçam diariamente
para ao fim do esforço conseguir apenas o necessário à sobrevivência, a
grandiosidade das somas mencionadas no decorrer das investigações recentes no
país. Fala-se em dezenas e até centenas de milhões de reais como quem se
fala no preço do ingresso do cinema ou de algum produto no supermercado. A
comparação pode a princípio parecer raciocínio com pano de fundo populista,
afinal, em toda sociedade democrática tem gente contando tostões e outras
acumulando milhões, mas nesse caso é outra coisa. É um raciocínio revelador de
um momento doloroso para o país e particularmente doloroso e sofrido, até para
quem está sentindo na pele os efeitos da crise. Temos hoje no Brasil, segundo as últimas estatísticas, 14,2 milhões de pessoas
desempregadas. Nos últimos doze meses, mais de três milhões engrossaram essa
cifra. À margem da frieza dos números, é possível imaginar que não há um
brasileiro hoje que não tenha um familiar, um amigo, um colega de trabalho
desempregado. Entre eles, muitos que há tempos buscam retornar ao mercado de
trabalho e não conseguem. E que, para sobreviver, enveredam por ocupações
informais ou contam com ajuda de parentes. Para que essas pessoas voltem à condição de empregados, ou consigam o primeiro
emprego, é preciso que o país saia da crise, que os investimentos retornem que
a economia encontre o caminho da estabilidade e da melhoria dos seus
indicadores. É este diagnóstico que traz para a vida de cada um a comparação
feita acima. Enquanto, cá embaixo, as pessoas padecem lá em cima; o
Brasil patina na incerteza. As atenções do país estão voltadas, com
razão, para a revelação de práticas ilícitas e para a investigação de
personalidades políticas e empresariais. Os mecanismos da privatização da coisa
pública estão sendo expostos em toda sua crueza, para que todos vejam. Mas há
outra parte do país igualmente merecedora de atenção a dos brasileiros que
estão sem emprego e dos que lutam para garantir o básico a suas famílias. Para
essa parte do Brasil não interessa qual partido está mais envolvido, ou qual
liderança mais traiu a confiança popular. Para esses brasileiros que estão
sentindo na pele os efeitos da crise, a prioridade é outra. É fundamental ter a
atenção voltada para eles. Ao fazer isso, nos damos conta que tanto os
inflamados discursos pseudomoralistas quanto encobertam tolerâncias ao ilícito
os tratam como meros coadjuvantes. Não estão nem aí para a sorte deles. Mas
qualquer eventual solução para a crise que não contemple as necessidades desses
brasileiros será, em qualquer circunstância, uma solução incompleta. Esta é a
nossa realidade.
Antônio
Scarcela Jorge.
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