COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
O
PAÍS FANTÁSTICO
Nobres:
Em se tratando de Brasil e se
fosse escolhida uma nação com mais paradoxos, certamente seríamos um dos
ponteiros. Convivemos diariamente com um estado de coisas que fingimos não ver
e, quando os vemos, ficamos surpresos quando algum estrangeiro chama nossa
atenção para certas contradições. Como não poderia deixar de ser vem os
políticos e já nem se fala de compromissos de políticos e governantes. Neste
caso é dupla: nem eles, nem a platéia chegam no horário aprazado. Se os minutos
e as horas podem ser peça de ficção, é perfeitamente lógico que o calendário
anual também fosse divido. Houve tempo em que se dizia que o ano só começava
depois do Carnaval, o que é uma realidade, de certa forma, compreensível por
causa das justas e merecidas férias nos meses de verão. A população que não
pode sair de férias por um motivo ou outro sofre efeitos colaterais como a
precariedade de serviços de toda ordem, privada, como Copa do Mundo ou
Olimpíadas, ou pública. Aí se encaixam os recessos. Todos os poderes engatam
ponto morto e até desligam o motor, sem deixar uma brecha para plantões. Mas
até aí seria algo tolerável, não fosse o fato de o ano não se dividir apenas em
antes e depois do carnaval. Não, nós somos caprichosos, vamos muito além de ter
apenas dois anos em um. Em anos eleitorais, nem Executivo, nem Legislativo
tomam decisões vitais, porque não convém irritar o eleitor, pois todos precisam
do seu precioso voto para se reeleger. E, quando passa o pleito e os eleitos
tomam posse, vem o período de adaptação, que, em muitos casos, é quase um
realismo fantástico, porque alguns levam os quatro anos do mandato para se
adaptar. Ou usam como desculpa. Não me comprometa como diz o povo. Mesmo que os
ungidos pelas urnas façam a coisa certa e exerçam mandatos com zelo, vem aí
outro aspecto que deveria ser levado em conta em qualquer reforma mínima do
sistema eleitoral brasileiro, o efetivo tempo em que os governantes realmente
cumprem. Não são quatro anos para quem se elege pela primeira vez, são dois. O
primeiro ano é para tomar pé e verificar a profundidade do rio. Então se azeita
a máquina com novos titulares e são defenestrados até fieis servidores de
carreira. No segundo ano, começa efetivamente o governo sempre depois do
Carnaval, claro; e no terceiro, o maquinista da locomotiva pode exercer
plenamente seu plano de governo, isso se tiver votos suficientes nos
respectivos parlamentos. O quarto não vale, porque é ano eleitoral, não se toma
decisões em anos eleitorais. Aliás, no meio do mandato, há sempre eleições
municipais, que, em determinados casos, também se governa com prudência acima
do necessário. Então somos um país de vários anos em um só, e é essa a toada
que nos rege. Mas em um país em que "pois sim" quer dizer não e "pois
não" quer dizer sim, não há motivos para maiores espantos este é um país
da fantasia é não só carnavalesco.
Antônio Scarcela Jorge
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