sexta-feira, 2 de novembro de 2018

COMENTÁRIO SCARCELA JORGE - SEXTA-FEIRA, 2 DE NOVEMBRO DE 2018

COMENTÁRIO
SCARCELA JORGE

DIA DE FINADOS

Nobres:
Hoje é especial se reverenciar os mortos e, já não se sabe se os finados precisam de um dia específico no calendário, quando a passos largos a morte com frequência interrompe a vida, quando todos os dias estão reservados à afirmação da violência, das atrocidades, dos velórios improvisados. Agora, quase sempre, só existe espaço para a perplexidade diante das mãos cruzadas sobre o peito, enquanto o desespero acompanha angustiantes soluços, retalhado vozes pelas dores daqueles que veem de chofre partir seus entes queridos. Salvo exceções, as pessoas faleciam por morte natural. Avós e pais morriam porque a hora era chegada e filhos e netos no dia 2 de novembro, iam aos cemitérios com flores, velas, orações trazidas do fundo da memória e lembranças para reverenciá-los. Nos dias atuais, porém, como viver com serenidade se é negado a um sem número de seres humanos o direito de partir pelo fato de haver chegado o seu momento. Milhares de pessoas saem da vida repentinamente. Houve um estampido, um incidente insignificante, um assalto, uma desavença contornável, mas inexplicavelmente incontrolada. Houve o esvair-se do sangue, das esperanças e eis o cerrar da cortina para prosseguir a existência de alguém. Repetidamente, agora, os finados são vítimas de assassinatos. São corpos de crianças, jovens, adultos e idosos surrupiados da vida por balas perdidas, balas “achadas” e armas brancas. Vidas que não tiveram tempo de concretizar seus sonhos, seus desejos, seus planos. Viver, independentemente da idade, é recolher nas mãos a plenitude de cada dia que surge, de cada noite que chega. Nas questões da morte provocada, muitos dos falecidos sem identificação em lugares ermos, em cemitérios clandestinos, em águas profundas, em abismos insondáveis e os meliantes, indiferentes a tudo, associados aos seus comparsas, vão marcando sem interrupção na ampulheta do tempo o fim da existência de quem tanto ainda teria o que realizar. Enquanto isso, nos cemitérios, no Dia de Finados, uma multidão de perdidos vagueia a procura das covas dos seus “afetos”, os rostos nublados, a dor refletindo o grito calado que denuncia o espanto pela banalização da vida. Até que se retiram e, no ano seguinte, se vivos estiverem, retornam àqueles locais ainda carregando nos ombros o peso da frustração e da saudade sobrecarrega um tristeza sem fim.
Antônio Scarcela Jorge.

Nenhum comentário:

Postar um comentário