COMENTÁRIO
Scarcela
Jorge
O SUPREMO DAS FAKE NEWS
Nobres:
Neste confinamento em que a pandemia da “corona vírus” imposta por
crises políticas e virais simultaneamente diante de um mérito passamos a
estudar as ações do STF que não é surpresa para a maioria dos brasileiros que a
atual é a sua composição é mais fraca que já teve intelectual, ética e
institucionalmente. Depois de acertar em algumas decisões limitando um
presidente que tem dificuldade em governar com os freios e contrapesos dos
demais poderes, seus membros imaginaram-se paladinos da nossa democracia.
Embalados pelo JN, sentiram-se autorizados a tudo. Inclusive a não sofrer as
críticas ácidas da opinião pública na linguagem pobre e emocional da internet.
E aí criaram o inquérito das “fake news”. Miraram “ameaças ao estado de
direito” nas críticas sofridas. Esse contrassenso que caberia no anedotário
fluíram na sessão de 18 deste mês julgando a ADPF nº 572, ratificou o inquérito
nº 4.781 ao declarar constitucional a Portaria do ministro Toffoli (GP nº 69)
que o instaurara de ofício. E ratificaram a designação sem sorteio do relator
Alexandre de Moraes. Com um único voto divergente, o do ministro Marco Aurélio.
A resgatar o adágio popular de que toda unanimidade é burra. Voto que se baseia
em fortes argumentos: o Ministério Público Federal, através da PGR, é que é o
titular da ação penal por força dos arts. 129 da CF e 40 do CPP; preceitos
respeitados pela então PGR Raquel Dodge, quando requisitou a instauração de
inquérito policial federal em razão de ofensas à honra da ministra Rosa Weber,
do STF (Ofício nº 958/2018/GAB/PGR) outro absurdo, a vítima não pode ser ao
mesmo tempo investigadora, acusadora e julgadora, em decorrência do sistema
penal acusatório, que separa as funções de acusar e julgar; a exceção do artigo
43 do Regimento Interno do STF, invocado pela Portaria nº 69, aplica-se apenas
aos atos que ameacem a instituição praticada no seu recinto; e nem se diga que,
no ambiente digital, o recinto é todo o território nacional; quisesse estender
sua aplicação, o próprio STF já teria reformado a regra regimental. A
designação de relator sem sorteio viola o art. 66 do RISTF; para o ministro,
“cumpre observar o sistema democrático da distribuição, sobre a pena de
começarmos a ter um juízo de exceção”. Apesar de violar as normas
constitucionais, legais e regimentais, a última palavra foi dada. Pois é certo
que o conteúdo do texto constitucional é o que diz a corte suprema. Porque a
Constituição assim o determina. Mas isso não a exime das críticas. A jurisdição
do STF não pode dizer tudo o que seus membros queiram. Há limites, como ensina
o professor João Maurício Adeodato (A retórica Constitucional e os Problemas
dos Limites Interpretativos e Éticos do Ativismo Jurisdicional no Brasil). O
primeiro, o próprio texto interpretado; o segundo, a doutrina estendida, nela
compreendida “a doutrina técnica dos juristas, mas também de todos os núcleos
organizados da sociedade, que porventura tenham interesse naquela decisão
específica”. Esse inquérito pode estar criando um instrumento de censura.
Contraria a própria jurisprudência do STF. Como a expressa na ADPF 130: “a Lei
Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e
plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações,
mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de
responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e
responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas
para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa” (ADPF
130, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário, DJE de 6-11-2009). Mesmo no auge das
manifestações pregando um golpe, sempre achei que as milícias digitais eram
minúsculas e que as Forças Armadas não embarcariam em aventuras. Muitos
justificam excessos do STF como necessários para preservar a democracia. Os
inquéritos seriam suas armas. A do Congresso, o impeachment. Outros alertam
para os riscos de abusos nessa concentração de poderes no STF. Desta forma os
inquéritos e ações realmente são instrumentos para frear abusos do Executivo.
Mas desde que respeitem as regras. Têm que apurar atos ilegais já
perpetrados. O controle a priori é
abuso. Usar o inquérito para ordenar batidas às casas e escritórios de
blogueiros por expressarem opiniões contrárias aos ministros e aos poderes
constituídos é punir o ‘delito’ de opinião. O que vem sendo proibido pelas
constituições republicanas desde o fim das monarquias absolutistas. Por isso, a
decisão em destaque não aplicou a melhor técnica de proteção à liberdade.
Estamos entre os 70% dos brasileiros que discordam do conteúdo desses blogs.
Mas, entre eles, talvez eu seja minoria por não concordar com a decisão do STF
que visa punir delitos de opinião. E que ameaça a livre expressão da crítica
aos seus membros. Mormente aos de um STF que desrespeita normas constitucionais
como as dos arts. 5º, IV, 129, I, e 220 da CF. E as do seu regimento (arts 43 e
66). Justamente as que protegem a liberdade de expressão e a imparcialidade do
procedimento judicial. Curioso é que todos proclamam apreço pela liberdade. Ao
menos pela própria. Mas quando se trata da liberdade dos outros, há quem prefira
mandar às favas os escrúpulos. Este é o que vivenciamos no presente.
Antônio
Scarcela Jorge.