domingo, 6 de abril de 2014

MORRE DRAMATURGO

 MORRE JOSÉ WILKER.

JOSÉ WILKER SAI DE CENA, AOS 67 ANOS, IMORTALIZADO PELA DRAMATURGIA.

06.04.2014

Cearense, de Juazeiro do Norte, o ator e crítico colecionou personagens inesquecíveis do cinema e da televisão.

Quando um mestre na arte dramática da categoria de José Wilker sai, em definitivo, de cena, não há maneira mais direta de ilustrar sua importância e legado que lembrar os personagens aos quais deu vida. E que eles, como é o caso de Zé, estão ainda claros na memória.

O ator, diretor e crítico de cinema morreu ontem, aos 67 anos, após um infarto fulminante, enquanto dormia na casa de sua namorada, no Rio de Janeiro.

Cearense, de Juazeiro do Norte, Wilker figurava entre os grandes nomes da dramaturgia brasileira, popular no cinema - ele atuou em 49 filmes - e na televisão. Entre os personagens que imortalizou estão Vadico, de "Dona Flor e seus dois maridos", de 1976, inspirado no romance de Jorge Amado, longa que foi a maior bilheteria do cinema nacional até 2010.

Trabalhou, ainda, em filmes marcantes como "Xica da Silva", "Bye Bye Brasil", de 1979, e ficou marcado por papéis emblemáticos como o político Tenório Cavalcanti em "O homem da capa preta" e Antonio Conselheiro, em "A Guerra de Canudos". Nascido em 20 de agosto de 1947, o ator viveu em Juazeiro do Norte a infância e início da juventude, mudando-se para Recife no início dos anos 1960.

Aos 19 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro. Chegou a estudar Sociologia, mas abandonou o curso para se dedicar definitivamente ao teatro. Fez sua estreia no cinema no filme "A falecida", em 1965, ano que também fez participação na montagem teatral de "Perto do coração selvagem", obra de Clarice Lispector.

Televisão

Sua primeira novela foi "Bandeira 2", em 1971. Em 1976, mesmo ano de "Dona Flor", ele viveu o protagonista de "Anjo mau", de Cassio Gabus Mendes. Em 1985, encarnou o inesquecível Roque Santeiro, da novela homônima exibida na TV Globo.

E marcou presença nas duas versões de "Gabriela", vivendo o visionário Mundinho Falcão na primeira, de 1975, e o coronel Jesuíno no remake exibido no ano de 2012.

O ator marcou presença também em séries e minisséries como "Anos Rebeldes" (1992); "Agosto" (1993); e "A Muralha" (2000), além de "JK", em 2006, em que interpretou o presidente Juscelino Kubitschek.

Wilker começou a carreira fazendo teatro de rua. Em 1965 atuou em "Perto do coração selvagem" e em1967 participou do elenco da lendária montagem de "O rei da vela", do Teatro Oficina. Três anos depois, ganhou o prêmio Molière de melhor ator pela peça "O arquiteto e o imperador da Assíria".

Juazeiro

Apesar dos cinquenta anos distantes do Ceará, o ator não escondia as lembranças do menino que, desde a infância, atraía atenção pelo talento em interpretações artísticas.

Segundo o juiz aposentado Sávio Leite Pereira, 70, amigo de infância do artista, José Wilker queria ver o período vivido no Cariri traduzido para os palcos do teatro.

"No último encontro que tivemos (em 2002), ele me contou que queria fazer uma peça sobre sua infância em Juazeiro do Norte. Contar a história mística e religiosa da cidade. José Wilker não poderia ter morrido sem realizar esse projeto", lamentou.

Os dois se conheceram quando Wilker tinha seis anos. "Quando ele tinha 11 anos, declamou uma poesia de Castro Alves com tamanha veemência que nem parecia um menino recitando", conta o juiz.

Wilker estava escalado como um dos homenageados do Cine PE Festival do Audiovisual, que acontece em maio. Em agosto, mês de seu aniversário, estreia "Isolados", do diretor Tomás Portella, que tem uma das últimas participações de José Wilker no cinema.

O ator deixa duas filhas: Mariana, com a atriz Renée de Vielmond, e Isabel, com a também atriz Mônica Torres.
 
Personagens marcantes

Cinema e televisão

O ator em cena como Zeca Diabo (acima), da minissérie "O Bem Amado" (2011). Abaixo, Antônio Conselheiro (esq.), do filme "Guerra de Canudos" (1997) e coronel Jesuíno, em "Gabriela" (2012)

Vida e obra, segundo Wilker

Em fevereiro do ano passado, José Wilker recebeu a reportagem do Diário do Nordeste em sua residência, no Rio de Janeiro, para o que seria a última entrevista concedida ao jornal.

O material, foi publicado na edição da Revista Gente, de março de 2013. Em tempo, lições repassadas por um personagem ímpar da dramaturgia brasileira, que falam de desprendimento, felicidade e uma paixão ainda juvenil pela vida e pelo ofício de ator.

"Prefiro me sentir, sinceramente, uma pessoa sempre começando. Não sou alguém de planejar, é claro. A minha carreira foi uma sucessão de acasos. Jamais sonhei, na minha infância, e, digamos, começo de juventude, em ser ator", lembrou José Wilker, confessando que a escolha da profissão se deu ao acaso, após uma entrevista, mal sucedida, para vaga de radialista.

"O cara que me aplicou o teste ficou muito acabrunhado por ter me reprovado e falou assim: 'tem vaga pra ator, quer?' E eu peguei a vaga", confessou o ator, que apesar da "sorte", já desde a infância se destaca em peças amadoras dos colégios Salesianos de Juazeiro do Norte e Recife, onde morou.

Começava, assim, uma carreira de quase 40 anos dedicados à dramaturgia e algumas dezenas de personagens que ficaram marcados no imaginário do brasileiro. Do implacável e sanguinário Homem da Capa Preta, ao recente coronel Jesuíno, no remake de Gabriela (2012), marido ciumento que lançou divertidos e populares jargões como "deite que eu vou lhe usar".

Personagens

O primeiro grande sucesso do ator foi Vadinho, personagem do filme "Dona Flor e seus dois maridos" (1976), de Bruno Barreto, baseado na obra de Jorge Amado. "Preferia que fosse o Tiradentes, de 'Os Inconfidentes', de Joaquim Pedro de Andrade, mas foi 'Dona Flor', um filme que não acreditava que fosse fazer sucesso. Aliás, tinha certeza absoluta que iria ser um fracasso. Pensava que um filme erótico-espírita jamais poderia dar certo", conta. Apesar dos anos distante de sua terra natal, José Wilker destacou o orgulho que sentia de sua origem, em Juazeiro do Norte, e o quanto de sua personalidade está vinculada a essa raiz.

"É evidente que 90% daquilo que é o meu temperamento é porque nasci no Ceará. Eu seria outra pessoa sem o Ceará. Ou, como aquela brincadeira, 'você pode sair do Ceará, mas o Ceará não sai de você'", brincou, acompanhado de muitos risos.
Sobre a Juazeiro de suas lembranças, ele narra uma cidade sem luz elétrica, ou iluminada por um curto período de horas, onde uma radiadora anunciava opções do comércio local e repassava "recadinhos do coração", dedicados com música, além, claro, da religiosidade.

Lições

O temperamento, irônico, debochado, o homem por trás do ator, Wilker se via como alguém de bem com a vida e que, apesar das grosserias de alguns personagens, era leve e tranquilo. "Não consigo brigar com ninguém. Dificilmente me irrito. Eu gosto de me divertir, ser feliz. É uma coisa que talvez tenha herdado da minha mãe. Ela dizia assim: 'eu tive seis filhos e apontava pra mim e falava: o único esquisito é esse'", disse. O pai, quando o viu pela primeira vez em cena, no Centro de Convenções de Olinda, completou o ator, recebeu a dedicatória, por ele, ao microfone.

"Ele foi no camarim e me falou a seguinte frase: 'tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas, me diga uma coisa: quando é que você vai tomar vergonha na cara e começar a trabalhar?'. Então, não tenho com o que me preocupar".

Das lições que ele tinha da vida, encerrou a entrevista ensinando: "Nós somos todos iguais. Temos a obrigação de encontrar uma forma de ser feliz".

Fonte: G1.


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